O isolamento social, necessário por conta da pandemia, pegou a todos de surpresa e fez com que muitos profissionais repensassem a forma de continuar produzindo dentro dessa realidade. Para quem trabalha com arte e público, foi um desafio olhar para as quatro paredes de sua casa e repensar seus modos de produzir.
Nesse período, o Balé da Cidade de Teresina não parou. A Companhia seguiu com sua rotina de encontros, à distância e online, e seguiu trabalhando através das plataformas digitais, compartilhando com o público aulas e conversas sobre dança e o fazer artístico.
E foi também nesse contexto que nasceram duas criações do Balé da Cidade: o espetáculo online Morada e a ação de rua Comensura. As duas produções buscaram na realidade da pandemia sua inspiração para dançar esse momento e apresentar um olhar artístico sobre esse “novo normal”.
Para Janaína Lobo, artista da dança e coordenadora artística do Balé da Cidade, três coisas serviram de inspiração: sua formação em arquitetura, pensar em um “registro” desse momento e o desejo de realizar uma criação pela Companhia. “Eu, como arquiteta de formação e interesse pessoal, sempre gostei muito das casas das pessoas. Sempre entendi que as casas são corpos, falam muito sobre quem mora em cada lugar. Então, sempre tive esse fascínio. Além disso, entendi que ainda iríamos passar um bom tempo trabalhando em casa. Quando me deu esse clique, pensei em usar esse momento para criar alguma coisa que vire um registro para a posteridade, da gente que passou por isso e como isso reverberou artisticamente. Um terceiro ponto é que eu já estava na pilha de criar para o Balé. Essa é a minha primeira criação com a Companhia”, diz.
Já para o coreógrafo e bailarino do Balé da Cidade, Adriano Abreu, tudo começou com uma inquietação que só crescia com o isolamento e a saudade de ter contato próximo com o público. “Foram meses morando sozinho e privado de exercer minhas ações corriqueiras que vinham desde a criação, apresentações e uma necessidade de se alimentar pelo contato com o outro. Estava sendo difícil não contar mais com o contato físico, mesmo reinventando a forma de criar dentro do Balé, ainda assim, eu enquanto artista buscava preencher o vazio que o não presencial trouxe. Foi incrível perceber as novas possibilidades nessa situação pandêmica, mas em mim existia a ânsia de voltar, de se encontrar e quebrar as impossibilidades que o virtual também traz consigo”, explica.
Morada foi à primeira criação. Janaína criou o espetáculo totalmente online. As reuniões com a equipe, o estudo de lugares para dançar dentro da casa de cada bailarino, a ideia de cada movimento, a forma de apresentar e a transmissão. Desta forma, foram apresentadas três temporadas através de plataformas de vídeo. “O Morada foi realmente feito à distância. Ficou como característica da obra ela ser ensaiada, pensada e todo o processo online; por exemplo: eu nunca fui à casa de ninguém. Teve muita insegurança no começo, tiveram momentos que me senti perdida. Foi um processo achar como funcionava a comunicação para essa criação. Apresentar também foi um experimento. Podia ter dado tudo errado. Eu, pelo menos, como criadora, ainda me sinto tateando essas plataformas, esses outros jeitos de criar. Então, acho que cada apresentação foi nos ensinando algumas coisas”, conta a coordenadora.
Já o Comensura se realizou como uma ação de rua. Por duas vezes, após a diminuição de casos de Covid-19 em Teresina e com a flexibilização, os bailarinos da Companhia ocuparam praças do centro da cidade.
“A minha proposição para os bailarinos do Balé da Cidade de Teresina veio justamente a fim de esmiuçar, compartilhar, e nos fazer questionar o novo modo de ir para o mundo, de trabalhar, se relacionar com o outro e ainda tentar se manter saudável. Os corpos reagiram de maneiras peculiares. A pesquisa em torno do contato se baseou no estudo de medos, encorajamento, preocupação e alerta. Observamos a medida exata permitida e a superproteção do corpo, que trouxeram dentro desse processo, ainda em descoberta, o confronto com a rua, com o contato mensurado, a informação e tentativa de conscientização para dizer que o fato de estarmos de volta não significa que tudo acabou”, finalizou Adriano.
Morada e Comensura são ações artísticas que têm como ponto de partida comum as vivências dos artistas do Balé da Cidade de Teresina na pandemia. As criações trazem sentimentos e questionamentos sobre o que foi vivido individualmente que, em algum grau, foi vivido pela população como um todo trazendo reflexões e criando possibilidades de relação, já que a arte opera trazendo possibilidades de realidade.
Sobre a Companhia
O Balé da Cidade de Teresina é uma companhia pública de Dança Contemporânea que vem atuando no cenário artístico local e nacional, contribuindo com o desenvolvimento e aprofundamento da dança piauiense. Vem aproximando a dança da cidade, através da sua atuação compromissada em diferentes ações, como temporadas de apresentações públicas, conversas e formação continuada.
O Balé da Cidade de Teresina conta com 18 bailarinos e é mantido pela Prefeitura Municipal de Teresina, através da Associação dos Amigos do Balé da Cidade de Teresina e da Fundação Monsenhor Chaves. Tem direção geral de Chica Silva, coordenação artística de Janaína Lobo e ensaios de Carla Fonseca.